CANDIDATOS-DETERGENTES

Nos últimos tempos tenho pensado dedicar-me à propaganda política. Sei que um amanuense nunca poderá ser um “estadista” ou “salvador da pátria” e que um manobrador pouco verá para além dos seus interesses – mas, ainda assim, estou a pensar propor-me a alguns candidatos presidenciais como director de campanha.
A minha estratégia será inovadora. Desta vez, o nosso país precisa de propaganda eleitoral que não minta. Estamos numa democracia, caramba! E, neste regime que é o pior tirando todos os outros, o povo já tem maturidade suficiente para não se assustar com cartazes que afirmem a verdade sobre os candidatos.
Deixo-vos aqui algumas das frases que, dentro de pouco tempo, irão com toda a certeza ver inscritas naqueles “outdoors” que ficam tão bonitos nas nossas terras e na nossa paisagem. Ao dr. Soares proporei: “COM SOARES – BRANCO MAIS BRANCO NÃO HÁ!”. Ao prof. Aníbal aconselharei: “CAVACO LAVA MAIS BRANCO” ou “CAVACO NÃO ENGANA, É LIMPEZA PERFEITA”. (Não vale a pena propor estratégias a Jerónimo e a Louçã, pois não são candidatos a sério, mas partidos resumidos ao seu chefe. Quanto a Manuel Alegre, penso ainda na estratégia, dado que o seu caso é semelhante ao daquele sumo algarvio, delicioso mas sem uma grande empresa de distribuição e venda por detrás.)
Algumas das leitoras, mais atentas aos anúncios que costumam passar na televisão, já devem ter reparado na semelhança existente entre os slogans que proponho para Soares e Cavaco e a publicidade a alguns detergentes para lavar a roupa e os soalhos. E têm razão: a semelhança não é pura coincidência. É propositada. Por mais voltas que um director de campanha honesto dê à cabeça, só encontra as frases que revelei. É claro, poderia mentir e propor: “CAVACO, O SALVADOR DA PÁTRIA VINDO DO NEVOEIRO” ou “SOARES, MAIS UMA VEZ POR PORTUGAL”. Os candidatos desejarão, porém, divulgar a verdade, aquela verdade que o povo percebe. E a verdade, como recentemente analisou a revista Atlântico, é que tanto Soares quanto Cavaco têm apostado nos últimos anos numa limpeza cirúrgica do seu passado político.
Cavaco, por exemplo, quer que acreditemos que o seu tempo como primeiro-ministro foi o melhor do mundo, quando todos sabemos que a desgraça económico-financeira actual se deve muito (como relembrou Miguel Cadilhe) ao despesismo brutal em que mergulhou o país e ao consumismo inconsequente que os seus governos promoveram. Deseja ainda que pensemos nele como um futuro super-primeiro-ministro que governará na sombra, quando os poderes presidenciais não lho permitem sem violar a Constituição. Tenta fazer-nos crer que não é um político profissional, quando governou o país durante uma década e só não foi presidente nos últimos dez anos porque os portugueses não quiseram. Quer impingir-nos até que deseja um Portugal em que o mérito seja valorizado, quando todos nos lembramos de que fez ocupar o Estado com os conhecidos “laranjinhas” e de que nada fez para que certos cargos da nossa administração fossem ocupados pelos melhores e não pelos menos incómodos.
Um detergente é um produto químico que dissolvido em água consegue limpar uma superfície suja. Por mais sério que seja ou pareça ser, Cavaco é neste momento um candidato-detergente: um produto político que, mergulhado em ambições presidenciais, deseja limpar a memória dos portugueses para ser eleito como “salvador da pátria”. Soares também, mas doutro modo. Esperemos que, desta vez, os detergentes não funcionem.

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