NICOLAU SAIÃO

Nas arribas do Cabo Espichel
aí pela manhã
um tipo pensativo pôe-se a recordar
os tempos dilectos da juventude
quando trabalhava com o velho Indalécio
o carpinteiro tisnado de camisas de algodão
e ambos galhofavam serenamente
um em frente do outro, de pés em cima da mesa

na sala traseira da vetusta lojeca
atestada de móveis como dantes se faziam
perto do farol do arquipélago das Berlengas.

“Quando o vento acalmava, rapariga
a morte e a doença à porta não chegavam
à porta não chegavam, digo-te eu
minha garota, minha garota bela!”

Indalécio, rei das cadeiras e das mesas
o das camisas baratas de algodão.

Colete, calça e paletó
e às vezes uma rosa na mão direita
- mas não como se fosse um troféu

E tudo sem palavras, sem um gesto
sem sequer uma canção que vem de longe

que vem de muito longe e ressoa.

(publicado na revista Bíblia, nº 22)

3 comentários:

Anónimo disse...

Que poema tão rico.
Pode parecer estranho, mas ficou um ambiente de aconchego e odores.

Anónimo disse...

Obrigado, Castanha - pela sua sensibilidade. Digo como costumo habitualmente dizer: nós somos tanto melhores poetas quanto de qualidade for quem nos ler. Assim sendo, só tenho de me felicitar por a ter como leitora!

Anónimo disse...

tu também és um dos que um dia vais ver