MANUEL ANTÓNIO PINA
E OS COGUMELOS


Manuel António Pina, autor estimável, afirmou há pouco tempo, no n.º 13 da revista Periférica, que em Portugal “nascem ‘poetas’ como cogumelos”.
Um poeta que não gosta de multidões... Chega a propor, desejando ser engraçado: “(...) não tivesse a poesia a aura que tem, e não haveria por aí tanta fraude. Escrever um livro de versos devia agravar o IRS e cair sob a alçada do Código Penal, ou então ser uma espécie de doença vergonhosa. Assim só seriam escritos os livros que não pudessem, de todo em todo, deixar de ser escritos. E alguém que continuasse a escrever poesia, mesmo com a Dra. Manuela Ferreira Leite ou o Dr. Bagão Félix e os tribunais à perna, havia de merecer ser levado a sério.
A proposta seria cómica, se não tivesse antecedentes trágicos. Seria séria, se – apesar de anedótica – tivesse como primeiro “sofredor” voluntário Manuel António Pina, ele próprio poeta. Enquanto vou sorrindo com as declarações do autor sabugalense, ouço ecos da hipocrisia de certo senhor que, há umas décadas, considerava justos os sofrimentos e as censuras aplicados aos escritores – porque estimulariam a criação...
Poetas originais sempre os houve em todos os momentos da história literária. E escrevinhadores fraudulentos também. É tão fácil encontrá-los nos catálogos de algumas editoras de grande difusão como noutros meios de difusão mais restrita, nos ditirâmbicos artigos do nosso ensaísmo universitário e do nosso “jornalismo cultural” (conhecido por só louvar aquilo que está seguro ou na moda, mesmo que seja uma porcaria) como nas publicações semi-clandestinas que vão sendo editadas à custa dos seus promotores, sem apoios nem prémios oficiais. E se a quantidade não é sinónimo de qualidade, só a liberdade de expressão assegurada pela publicação e divulgação dignas poderá fornecer ao futuro (esse grande juiz) o material necessário para fazer uma avaliação livre de circunstâncias. Não será castigo suficiente para muitos poetas que persistem na escrita verem os seus livros rejeitados anos a fio pelas editoras de grande circulação, quando – ao mesmo tempo – vão assistindo à publicação de inanidades nas casas que lhes fecharam a porta?
Mas volto aos cogumelos – metáfora usada por Manuel António Pina para se referir aos poetas que vão surgindo no nosso tempo. Dado que em todas as épocas apareceram muitos escritores de poesia, então todos os poetas são, na lógica de Pina, cogumelos (mesmo que o tempo os vá classificando e escolhendo)... Chamarem-me “cogumelo” é para mim um elogio – eu que me pelo por tortulhos assados, de molho ou de miolada... desde que sejam carnudos e gostosos. Nisto de macrofungos poéticos, fico porém com uma dúvida: em que grupo se situará Manuel António Pina, cogumelo-poeta – por mais que lhe custe a classificação, ele que não gosta de misturas com os seus colegas humildes do reino Fungi, talvez por receio da concorrência? Acredito que não se incluirá no grupo dos venenosos. Sendo macrofungo comestível, como de facto é, seria interessante sabermos se se considera míscaro transmontano, tortulho alentejano, cogumelo chinês de estufa ou champignon de lata, vendido já laminado – para guisar com natas de pacote, sem dar trabalho ao cozinheiro... nem ao comedor.

14 comentários:

Anónimo disse...

O raiano Pina está cada vez menos humilde.

Ruy Ventura disse...

Amigo lince, esse é exactamente o problema: falta de humildade, que tão necessária é para a criação poética.
Obrigado pela seu primeiro comentário. Volte sempre!

Teresa Lobato disse...

Gostei desta ironia, Ruy. Bem temperada, mesmo.

Anónimo disse...

Tás lixado, Ruy, duvido que alguma vez tenhas boas críticas, por muito bom que sejas, lá das bandas da torre dos Clérigos. Não do Pina, homem fixe e poeta de qualidade, mas de outros vivaços que acham que não se pode ter sã ironia com os fulanos do norte.

Ruy Ventura disse...

Tanto me faz. A verdade está acima de tudo isso. Além disso o meu texto não é contra uma pessoa do Norte, mas unicamente a discussão da argumentação sobranceira de um poeta que nemm é do Norte, mas do Sabugal.

Ruy Ventura disse...

Além disso, tenho e sempre tive muito respeito pelas pessoas do norte.

Anónimo disse...

Para quem gosta de cogumelos-poeta ou poetas-cogumelo, para quem não gosta nem de uns nem de outros, para quem usa pseudónimo ou não usa, para quem é do Norte ou para quem é do Sul ou para quem acha que Portugal tem Norte e tem Sul (como se uma micro-terra destas pudesse ter tal coisa, para quem mete a aliança de prata no caldo dos cogumelos para saber se eles matam ou não ou para quem se quer suicidar de maneira pouco romântica (tiro na cabeça é muito mais que mais...), para quem tem muito que fazer ou nada para fazer, aqui vai um bom poema sobre cogumelos. Antes de ler o poemazinho, o melhor é cozinhá-lo...


MUSHROOMS
Sylvia Plath

Overnight, very
Whitely, discreetly,
Very quietly

Our toes, our noses
Take hold on the loam,
Acquire the air.

Nobody sees us,
Stops us, betrays us;
The small grains make room.

Soft fists insist on
Heaving the needles,
The leafy bedding,

Even the paving.
Our hammers, our rams,
Earless and eyeless,

Perfectly voiceless,
Widen the crannies,
Shoulder through holes. We

Diet on water,
On crumbs of shadow,
Bland-mannered, asking

Little or nothing.
So many of us!
So many of us!

We are shelves, we are
Tables, we are meek,
We are edible,

Nudgers and shovers
In spite of ourselves.
Our kind multiplies:

We shall by morning
Inherit the earth.
Our foot's in the door.

Anónimo disse...

Joaquim saial, muito bem arrematado.

Ruy Ventura disse...

Nada melhor do que o bom humor do nosso amigo Saial para nos tornar bem dispostos... Vivam os cogumelos-poetas, crus, assados, de cebolada ou de miolada... desde que sejam saborosos e não venenosos, com boa vista.
Quanto aos pontos cardiais, não nos esqueçamos que todos vivemos a norte de qualquer lugar.

Anónimo disse...

Há gente que gosta de criticar pondo-se de fora. Assim foi o poeta de que o Ruy Ventura fala. Acho que procedeu mal, porque a liberdade de expressão é um valor. Cada um dá o que pode e ninguém deve ser achincalhado e em termos como Pina o faz porque não é tão bom como este ou aquele.
E a história por vezes repõe a realidade, um que agora é um deus pode depois ver-se que não o é.
Se eu fizesse versos seria porque algo me levava a isso, há mal? Mal é andar-se a marginalizar os outros e sei que o RV já sofreu com isso, muita gente sabe que em Portalegre puseram RV de parte porque dizia as verdades e fazia sombra a grandões pequenos dali.
Nao desistas nunca e obrigado pela tua ironia.

Anónimo disse...

Ruy, lá vim da minha "peregrinação" ao norte e retomo contacto, embora episódico, com este mundo interactivo.
Há bastantes anos, aquando da edição do seu primeiro livro, espontaneamente mandei ao então quase desconhecido Pina um bilhetinho manifestando o gosto que tivera em o ler. Ele, delicadamente, enviou-me um exemplar, que guardo preciosamente devido ao seu valor.
Custou-me saber desta sua atitude. Se os poetas já são tão discriminados, tão obstaculizados, para quê carregar nas tintas? Tanto mais que se vive entre estantes mal-arrumadas, onde muitas vezes simples poetinhas são alcandorados a geniaços por razões de companheirismo de formatura, credo político, até aparencia pessoal do ADN (digo assim piedosamente...).
Mas Pina é um estimabilíssimo poeta - leve-se aquela sua boutade a uma "gralha" da condição humana, comum a todos, em que errar é um sinal de que a imperfeição é cá desta Terra...
E releve-se o vezo de humor em que o excelente textito do Ruy se certifica.

Ruy Ventura disse...

Obrigado pelas palavras do Luís e do VP. Não me interessam aqui as marginalizações que tenho ou não tenho sofrido - que, concretamente, têm pouco a ver com a minha actividade poética e muito mais com a minha actividade cívica. Não gosto de me lamentar - e quando as tenho divulgado faço-o apenas com o objectivo de dar a conhecer às pessoas a verdadeira face de certos anjinhos...
Quanto a Manuel António Pino, continuo a considerá-lo um poeta estimável - como aliás deixei bem claro no texto. Só não posso concordar que fale de um púlpito, menorizando todos quantos escrevem porque não podem deixar de fazê-lo.
Quanto à publicação, sabemos todos como são as coisas... Não é preciso concretizar.
Posso no entanto revelar um caso pessoal: tenho um livro pronto que há quase um ano espera a resposta de uma editora portuguesa; ao mesmo tempo que vou esperando sentado, uma editora espanhola, em duas semanas, decidiu publicar outro volume meu... É vida!

Ruy Ventura disse...

Amigo Nicolau, ninguém põe em causa a condição da obra poética que o Pina tem publicado, como já referi. Põe-se em causa a sua atitude em relação aos outros que o rodeiam - muito lamentável e, até, perigosa, na medida em que é a expressão de uma atitude que vai correndo muito por aí.

Anónimo disse...

Concordo em absoluto!
Não sei porquê, mas é um facto que dá que pensar: em Portugal, poetas medalhados (como o foi Pina recentemente) desfecharem a seguir sobre as humílimas gentes.
Ajuste de contas com anos de parcimónia perpetrada pela maralha que faz a chuva e o bom tempo? Súbita tusa escritural que varre a feira para se inspirar?
Ou simples tiro num eventual terceiro pé?
Sursum corda...