Nos 50 anos de vida literária
de ANTÓNIO SALVADO

Podemos depor a favor de um escritor por interesse, por gratidão, por amizade ou por justiça. Há quem louve um escritor porque está interessado no seu apoio (editorial, social, etc.). Há quem o elogie porque lhe deve favores ou sente ser sua obrigação de amigo escrever ditirambos. Há, ainda, quem deponha de forma positiva porque acha justo fazê-lo – sem esperar nada em troca, apenas porque o seu depoimento se impõe não como dever pessoal, mas como dever cívico de testemunho.
É uma questão de justiça escrever este depoimento nos cinquenta anos de vida literária de António Salvado, ainda que sejam palavras curtas e despretensiosas. Conheço-o há mais de dez anos (sem nunca nos termos encontrado fisicamente) – tempo breve, é certo, mas para mim suficiente no aquilatar da sua qualidade como poeta, como tradutor, como ensaísta, como divulgador de Cultura e – sobretudo – como ser humano. Poderia registar aqui a minha leitura da sua poesia, alicerçada – em parte – na investigação/transfiguração do classicismo, levada a cabo por uma geração alicerçada no 2º Modernismo e fertilizada por alguns dos princípios defendidos por revistas tão ecuménicas quanto Árvore e Távola Redonda. Outros o farão melhor do que eu. Poderia ainda referir-me com demora ao papel de António Salvado como organizador de antologias, como director de revistas culturais (lembro os despretensiosos, mas importantes, cadernos Sirgo) e como importante tradutor e divulgador em Portugal de vários autores de língua castelhana (Claudio Rodríguez ou Ricardo Paysero, por exemplo). Prefiro contudo recordar a postura cívica do autor de Jardim do Paço, vertical e intransigente na defesa da Justiça e da rectidão.
Há um episódio que, para mim, exemplifica bem a craveira da sua figura cívica e literária. Quando há alguns anos um semanário nacional publicou uma reportagem sobre a face humana de José Régio, foram reproduzidas algumas declarações que punham em causa a boa memória desse homem exemplar que foi o autor de Davam Grandes Passeios aos Domingos. Pois, nessa altura, António Salvado foi dos primeiros a concordar que seria necessário um desagravo público à figura do escritor e, assim, assinou comigo e com mais onze escritores um texto que, depois, foi divulgado por vários órgãos de imprensa. Mas não ficou por aqui. Quando Nicolau Saião, João Garção e o autor destas linhas foram alvo de uma campanha de difamação – porque ousaram, em Portalegre, contestar esses ataques à memória profissional de Reis Pereira, movidos por figurinhas locais –, desde a primeira hora o poeta albicastrense se pôs ao seu lado, apoiando-os e dispondo-se até a testemunhar em tribunal, caso fosse necessário. Durante os longos anos do processo que conduziu à condenação dos difamadores, sempre António Salvado se interessou pelo caso e pela mágoa dos ofendidos – ao contrário de outros cujo apoio era uma obrigação, mas cobarde ou interesseiramente borregaram. Salvado, não. Nunca regateou uma palavra amiga, nunca escondeu a sua indignação, nunca tentou branquear atitudes e – sobretudo – nunca desmentiu a sua postura cívica de Homem vertical.
Para alguns, esta atitude valerá pouco. Será até considerada marginal quando se celebram, sobretudo, os cinquenta anos de publicação em livro de um escritor que nos vem inundando (no melhor sentido da palavra) com a sua poesia. Para mim representa muito, pois sou daqueles que – apesar de acreditarem que a Poesia não se escreve com bons sentimentos – continuam a pensar que a Ética e a Literatura devem ser duas faces da mesma moeda.

4 comentários:

Anónimo disse...
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Ruy Ventura disse...

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Anónimo disse...

Quero corroborar as palavras do Ruy. Salvado é tudo isso e muito mais - e por isso aqui fica dito: tempos depois do nascimento da minha neta Mariana, resolvi por razões particulares e algo penosas dar a lume um acervo de poemas sobre ela, dedicados à menina por escritores amigos e festejando o sucesso.
O que abriria o livro, entre os outros subscritos por autores e amigos como Ruy Ventura, Matilde Rosa Araújo, Orlando Neves, Carlos Martins, José do Carmo Francisco, António Luís Moita,Armindo Reis, etc. iria ser o de António Salvado - como homenagem a um gesto e pela simples razão de que, mal a Mariana nascera logo lho enviara: mas estava tão doente, fôra operado há pouco, que não o escreveu com a sua mão,teve de o ditar a um familiar. Pois não queria que a celebração da menina chegasse fora de tempo.
É assim António Salvado, um senhor para os seus amigos: em tudo o que me meti com ele, nunca me falhou.
Um abraço para ele e para si, Ruy.

Anónimo disse...

António Salvado é um Homem daqueles que parece estarem "em vias de extinção", pelo que muito gostosamente, e com a devida e necessária licença, faço minhas as palavras do Dr. Ruy Ventura.
Há muitos anos um Amigo ensinou-me a "ajoelhar somente nas Igrejas"; tenho procurado seguir o seu conselho; não sei se sempre terei conseguido. Mas sei que António Salvado é um desses Homens íntegros, exemplo para todos nós