CAVALOS
(para Soares Feitosa)
Os cavalos... Quando vi eu pla primeira vez um cavalo? Não guardo de isso memória exacta, mas teria sido na vila de Monforte onde nasci, provavelmente uma montada da Guarda Republicana aquando da visita de algum oficial ao posto que o meu pai comandava, ou então de algum lavrador das imediações com estábulo porventura dentro da vila. No entanto, pensando bem, creio que o primeiro cavalo que vi (ou seria égua, para o caso tanto faz...) estava atrelado a um charabã - que só mais tarde soube ser o parisiense "char-à-bancs" das/dos elegantes dos Champs-Elisées de outrora. Conduzido por uma senhora, por um cavalheiro? Parece-me que o passeante seria, se a lembrança me não falha, um médico que usava esse meio de transporte quer para visitar seus pacientes quer para efectuar suas voltas e voltinhas nos momentos de lazer.
Já se percebe que nessa altura era eu bem pequeno.
Mais tarde, vi cavalos nos prados e campinas de muitos lugares: nos plainos de Espanha, nos vergéis da "Grand Prairie" francesa, nas ruas de Lisboa e de Portalegre quando era dia de festa nacional, transportando agentes militarizados, nas quintas do Ontário ao longo da estrada que vai de Toronto a Otawa, na "rota índia" americana. Tive mesmo ensejo de cavalgar algumas vezes em campos abertos - essa emoção absoluta de descendente de antigos cavaleiros aldeões - e, quando calha, na herdade de um amigo dado às cavalgadas e falcoarias, o conde José António Valdez, que é o fidalgo de antiga nobreza lusitana mais plebeu e saudavelmente terra-a-terra que existe - faço a minha perninha como razoável "calção" como tradicionalmente se usa apelidar.
E que dizer dos cavalos vistos na arte: na pintura, na escultura, no cinema, nos livros de quadradinhos da minha infância e adolescência de leitor encartado? As cavalgadas, no papel, de índios e de cóbois, desde os apaches de Jerónimo aos oglalas de Sitting-Bull e de Nuvem Vermelha até ao, noutro registo, cavalgar em estilo "feio, forte e formal" do John Wayne? E o ar hierático de Gary Cooper ou do James Stewart ? (Que, aqui entre nós, sempre me pareceu ter um rosto um pouco cavalar...).

Nicolau Saião

(Este texto é uma resposta de Nicolau Saião a uma prosa muito interessante do poeta brasileiro Soares Feitosa, incluída no "Jornal de Poesia", de que é editor.)

9 comentários:

Anónimo disse...

Diz se que os cães ficam parecidos com as pessoas com quem vivem (ou será o contrário?), quem sabe acontece o mesmo com os amantes de cavalos.

Sabia que pessoas que tem paralisia cerebral, com deficiencia fisica, sem conseguirem estar, por si só, com a coluna vertebral na vertical, ao andarem a cavalo ficam, no momento, com a costas direitinhas?
Parece Magia :)

Anónimo disse...

Acredito. Só posso aqui colocar a minha experiência: o conde Valdez é, profissionalmente, o Prof. José Travassos Valdez, homeopata de qualidade e introdutor em Portugal da Análise Termográfica (que já é comparticipada pela ADSE)e que sobre esta especialidade proferiu conferências na Sociedade de Medicina Portuguesa, sendo o primeiro homeopata ali admitido.
Foi também ele que tratou o Ruy Ventura duma grave doença nos pés.
Ora, estando eu com problemas num órgão por, devido à prática da esgrima, ter ficado afectado, ele deu-me uma infusão e receitou-me ainda diversas sessões equestres (é para isso que ele tem lá cavalos - tal como tem abelhas para as rinites e lacraus para a dor ciática).
E a verdade é que deixei de ter problemas com esse órgão...e continuo a praticar esgrima sem as dores antigas.

Anónimo disse...

O cavalo é, na verdade, um animal simultaneamente nobre no porte e humilde no trato; veloz no galope e calmo no contacto com o homem. Tem a sua psicologia muito própria, conhecendo e reconhecendo quem o trata bem ou mal, quem o teme ou quem com ele convive sem receios. Sempre gostei deste animal, montando ou atrelando e sei que Portalegre me gostava de ver passear na minha charrette pelas suas ruas. Mas há um ano e tal, por motivos exteriores a mim e que uma vez confidenciei ao Poeta Nicolau Saião, achei que devia por um derradeiro ponto final nesses passeios. Mas o gosto pelo cavalo está cá dentro de mim, pelo que não poderia deixar de aproveitar a oportunidade de falar sobre um tema que me é tão caro

Anónimo disse...

Gosto sempre de ler aqui os comentários do meu amigo Prof. Ribeirinho Leal.
Posso atestar, como adepto das cavalgadas e talvez razoável "calção"(nome que tradicionalmente designa quem monta)que este meu amigo é um galhardo cavaleiro e que na cidade as pessoas paravam a olhar a nobreza com que montava o seu alazão. Também quando na charrete, o seu garbo era manifesto pois Ribeirinho Leal tem um estilo muito práprio de conduzir sendo como creio um adepto da condução à inglesa - como se diz no léxico desta disciplina que é simultaneamente desporto e arte tradicional.

Ruy Ventura disse...

Aprecio muito a grandeza do cavalo, que nos meus dias de infância, via passar pelas ruas das Carreiras, trazendo sobre o dorso guardas republicanos ou o ti' Chico Miguel (negociante e contrabandista), com o seu ar altivo e misterioso.
Mas, no meu bestiário, nunca esqueço o humilde burrinho ou os injustamente amaldiçoados macho e mula.

Anónimo disse...

Completamente de acordo. Aliás, tenho um tal amor por esses animais que contava futuramente dedicar-lhes um texto específico.
Digamos - como o Ruy sabe - que um dos meus grandes desgostos é não poder ter um burro. Tenho em Arronches um grande quintal, mas não é permitido ter-se burros em quintais. Até me dispunha (eu que sou tão dorminhoco...) a ir lá tratá-lo todos os dias! Mas não...
E na horta que tenho ali para os lados do Frangoneiro não disponho de instalações para ele.
Quanto eu gostava de poder andar de burro por esses caminhos vicinais que tão bem conheço!
Mas tem de ser assim, certas regras da vida moderna não se compadecem com madurezas de poeta...

Anónimo disse...

Para estes rapazes poetas que adoram cavalos, aqui vão dois poemas adequados. Um, militante e de grande sensibilidade - de poeta a gosto e que deu comum disco duplo de PacoIbañes e do próprio Alberti a partir do recital do teatro Alcalá, em Madrid, Maio.1991 - e outro, dos Jethro Tull, do seu trabalho «Heavy Horses» (1978), pequena obra-prima que leva um bocado a ler e a traduzir, mas apenas 8,58 minutos a cantar, na oitava faixa do disco.

A GALOPAR - Rafael Alberti

Las tierras, las tierras, las tierras de España,
las grandes, las solas, desiertas llanuras.
Galopa, caballo cuatralbo,
jinete del pueblo,
al sol y a la luna.

¡A galopar,
a galopar,
hasta enterrarlos en el mar!

A corazón suenan, resuenan, resuenan
las tierras de España, en las herraduras.
Galopa, jinete del pueblo,
caballo cuatralbo,
caballo de espuma.

¡A galopar,
a galopar,
hasta enterrarlos en el mar!

Nadie, nadie, nadie, que enfrente no hay nadie;
que es nadie la muerte si va en tu montura.
Galopa, caballo cuatralbo,
jinete del pueblo,
que la tierra es tuya.

¡A galopar,
a galopar,
hasta enterrarlos en el mar!



HEAVY HORSES - Jethro Tull (com Ian Anderson, como sempre)

Iron-clad feather-feet pounding the dust
On october’s day, towards evening
Sweat embossed veins standing proud to the plough
Salt on a deep chest, seasoning
Last of the line at an honest day’s toil
Turning the deep sod under
Flint at the fetlock, chasing the bone
Flies at the nostrils plunder.

The suffolk, the clydesdale, the percheron vie
With the shire on his feathers floating
Hauling soft timber into the dusk
To bed on a warm straw coating.

Heavy horses, move the land under me
Behind the plough gliding --- slipping and sliding free
Now you’re down to the few
And there’s no work to do
The tractor’s on it’s way.

Let me find you a filly for your proud stallion seed
To keep the old line going.
And we’ll stand you abreast at the back of the woods
Behind the young trees growing
To hide you from eyes that mock at your girth,
You’re eighteen hands at the shoulder

And one day when the oil barons have all dripped dry
And the nights are seen to draw colder
They’ll beg for your strength, your gentle power
Your noble grace and your bearing
And you’ll strain once again to the sound of the gulls
In the wake of the deep plough, sharing.

Standing like tanks on the brow of the hill
Up into the cold wind facing
In stiff battle harness, chained to the world
Against the low sun racing
Bring me a wheel of oaken wood
A rein of polished leather
A heavy horse and a tumbling sky
Brewing heavy weather.

Bring a song for the evening
Clean brass to flash the dawn
Across these acres glistening
Like dew on a carpet lawn
In these dark towns folk lie sleeping
As the heavy horses thunder by
To wake the dying city
With the living horseman’s cry

At once the old hands quicken ---
Bring pick and wisp and curry comb ---
Thrill to the sound of all
The heavy horses coming home.

Iron-clad feather-feet pounding the dust
On october’s day, towards evening
Sweat embossed veins standing proud to the plough
Salt on a deep chest, seasoning
Bring me a wheel of oaken wood
A rein of polished leather
A heavy horse and a tumbling sky
Brewing heavy weather.

Heavy horses, move the land under me
Behind the plough gliding --- slipping and sliding free
Now you’re down to the few
And there’s no work to do
The tractor’s on it’s way.

Ruy Ventura disse...

Ah grande Saial! Bom fim de semana!

Anónimo disse...

Amigo Saial, obrigado pela lembrança. O Ibañez sempre nos encanta e então com este poema a minha costela espanhola fica logo a palpitar! Coño - e para cúmulo V. transcreve uma dos Jethro Tull, um dos grupos que fizeram os meus anos 80! Reparou que na minha crónica caboverdiana desta semana precisamente lhes faço lá referência?
"Songs from the wood"... Até as asinhas do coração me adejam!
O abraço.