Uma lição de democracia – de novo

Há quatro anos, depois de conhecer os resultados eleitorais das Autárquicas de 2001, escrevi n’ O Distrito de Portalegre, referindo-me à arrogância de alguns vencedores:
Ao votarem como votaram, para o bem dos seus municípios, [os portugueses] não concederam aos diversos partidos e/ou autarcas eleitos cartas brancas. O voto não foi míope, e muito menos cego. Longe das leituras – mais ou menos oportunistas – de alguns comentadores para todo o serviço, se lermos com equilibrada distância e sem maniqueísmo os resultados nacionais das eleições autárquicas, veremos com nitidez a mensagem que os eleitores deixaram escrita para os próximos quatro anos.
[...] [m]anifestaram-se frontalmente contra um poder que satisfaz a vontade de assalto às instituições por parte de alguns, cujos objectivos circulam entre o clientelismo encapotado e a corrupção descarada. Disseram não aos autarcas que obedecem de forma cega às suas estruturas partidárias e seus interesses. Negaram-se a eleger quantos preferem hipotecar o desenvolvimento global e harmonioso do nosso país para atenderem às conveniências políticas. [...]
[Os resultados aconteceram] não tanto pelos partidos que apoiavam os candidatos, mas pelas equipas que apresentaram ao escrutínio.”

Passado este tempo, reafirmo quanto escrevi (em 18.01.2002). Embora conheça vitórias que se deveram à propaganda sem escrúpulos e derrotas muito injustas, continuo a pensar que a voz do povo se fez ouvir com sabedoria, mesmo quando essa sabedoria se expressou na escolha de um mal menor, em vez da eleição de uma boa solução para os concelhos, porque inexistente. Não tenhamos dúvidas: sem em muitos casos os portugueses elegeram os presidentes que realmente queriam, em muitos outros apenas rejeitaram candidatos incompetentes e indignos. Chegámos a este ponto na nossa evolução política...
A derrota do Partido Socialista em tantos municípios nestas eleições deve-se, em boa parte, ao factor que apresentei. Houve listas em que os candidatos não iam além da mediocridade pessoal, social e/ou política. Ao escolhê-los, o PS criou condições para a vitória de outras candidaturas partidárias (mesmo que fossem deficientes ou, até, perigosas, pela suspeita de tráfico de influências) e de várias candidaturas independentes. Poderia dar exemplos que conheço bem, mas tenho por princípio não criticar os vencidos mais do que o necessário, para que as minhas palavras, modestamente, possam proporcionar uma reflexão com consequências no futuro. Tenho sempre em mim uma leve esperança na concretização daquela frase que alguém escreveu num armazém de Cacilhas: “Uma pancada nos olhos faz ver...” Será desta vez?
Agora, como em Janeiro de 2002, escrevo: “Não houve o desejo de encontrar [ou de preservar no poder] homens e mulheres providenciais que, de um momento para o outro, [trarão] a felicidade e abundância aos nossos concelhos. (A democracia dispensa “génios” e “salvadores”, imprescindíveis apenas em ditaduras e regimes [autoritários]). [Mais uma vez], houve uma firme vontade de mostrar aos políticos quanto é necessário aprofundar a sério a democracia em Portugal.”
Os autarcas agora eleitos ou reeleitos deverão guardar, entretanto, uma certeza: “ao longo destes quatro anos os eleitores não gostarão certamente de ver as suas expectativas frustradas”. Muito menos irão tolerar a arrogância dos vencedores que, prontamente, castigarão na primeira oportunidade.

4 comentários:

Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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Anónimo disse...

Realmente alguns candidatos dos partidos derrotados eram muito maus... Então em portalegre o Seia da Silva...

Ruy Ventura disse...

Existe algo que quero acrescentar ao meu artigo: acho que os resultados das autárquicas não se devem à política do governo, boa ou má. Se assim fosse, teríamos que pensar em todos os concelhos em que o PS ganhou (e ganhou bem): será que aí as pessoas estão mais satisfeitas com o governo do que nos outros? Penso que não. Nas autárquicas vão a julgamento pessoas e projectos. Apenas.
Nos resultados eleitorais, desiludiu-me a derrota por 108 votos do PS em Sesimbra. Não por ser PS, mas porque estava a ser desenvolvido um trabalho muito válido, por gente séria.