José do Carmo Francisco
Os barcos velhos
da Ilha Sagrada
Os barcos velhos da Ilha Sagrada nunca morrem. Quando ficam cansados e deixam de poder fazer viagens nas águas frias do Mar do Norte, ninguém os queima nem corta em pedaços para serem lenha nas lareiras das casas da Ilha. Não. Nessa altura os pescadores cortam os barcos ao meio e voltam-nos ao contrário. Depois pregam umas tábuas no lugar onde foram serrados e colocam uma porta. Ficam assim com dois pequenos armazéns para os seus apetrechos de pesca. Depois isolam o casco que passa a ser o tecto de nova casa. Os peregrinos e os turistas recebem assim uma lição de ecologia quando chegam à Ilha Sagrada. Chama-lhe Ilha Sagrada porque está repleta de abadias, umas em ruínas, outras ainda dedicadas ao culto. Situada no Mar do Norte, algures entre Edimburgo e Newcastle, a Ilha Sagrada fica isolada do mundo algumas horas por dia em função das marés. No dia em que lá fui, o dia 2 de Maio, o mapa indicava que a estrada da Ilha estava transitável entre as 9 e 25 da manhã e as 5 e 5 da tarde. Depois, com a subida das águas, a Ilha Sagrada volta a ser de novo uma ilha no sentido total da palavra. O som do violoncelo da Guilhermina Suggia ainda permanece nos salões do castelo da Ilha Sagrada. O mundo é pequeno e a artista portuense foi amiga dos donos deste castelo nos idos anos 20. Quando regressei ao meu roteiro de terra ainda vi duas senhoras a limparem os pés com a toalha e a calçarem os ténis. Tinham acabado o seu percurso na areia e, com a igreja à vista, não queriam sujeitar os seus pés a um massacre no alcatrão da única estrada da ilha. Ao longe os barcos convertidos em armazém mostravam como a ecologia não precisa de quem a proclame mas de quem a pratique.
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