Antologia "Fanal"


HELENO GODOY
(BRASIL)

A NAVALHA

Não há quem não se amedronte
dela, sentado na cadeira
do barbeiro apressado, falante e inatento.

Antes uma lâmina inofensiva
em aparelho convencional,
fofo e brando ao ser usado.

A navalha não pensa,
e olha vagamente as coisas,
cortando-as destra, mecânica.

Uma navalha é como um olho
arguto, astuto, cauteloso:
brilha e arma, serpente,
um golpe só, profundo e nítido,
compadecido mesmo, em sua
asséptica habilidade.

(nº 0, 14 de Abril de 2000)


CARPINTARIA

Não a de construir móveis,
utilidades domésticas ou comerciais,
enchendo de prateleiras
os espaços habitados por nós.

Não a de facilitar, por rampas
e similares, acesso a quem
precisa de ajuda e coisa tida
parecida e, claro, necessária.

Não a de até mascarar defeitos,
tapar imperfeições, os buracos
e outros delitos de traça ou rato,
o que necessita remédio ou trato.

Mas a de construir caixões, engra-
dados e alçapões, as armadilhas
com que se pretende restringir, até
silenciar, qualquer voz e escrita.

(nº 19, 28 de Dezembro de 2001)

Sem comentários: