Vozes do Brasil
RENATO SUTTANA
A TUA AUSÊNCIA EM NÓS
I
A tua ausência em nós plantou um cravo,
plantou uma ferrugem, um deserto;
plantou um pensamento, um grito, um travo
–um portão a gemer no escuro, aberto.
No princípio do outono, o teu sozinho
descer para a distância (num momento
de fratura, de chuva e desalinho) –
a tua ausência em nós plantou um lento
botão que hoje fecunda na amargura:
plantou a rosa oblíqua da procura
que às cegas cultivamos – o amargor
do que agora nos fere e nos desloca
(esta impotência, esta impossível flor) –
que o teu partir deixou em nossa boca.
II
Nestes ermos do dia, recordar-te
(quanta flor não se perde num verão!)
tem um sabor de cinza e distração,
de nada ser preciso – este lembrar-te.
Não há consolo algum para a nossa arte,
para o nosso desejo de abrasão,
senão achar repouso no que não –
no que nos vem do fundo e nos reparte.
Neste escuro em que o dia se resolve,
em que a nossa ternura se naufraga
(nosso anseio de vasto se dissolve),
recuperar-te em sonho nos corrói:
como um oceano sobe e nos alaga,
um incêndio se alastra e nos destrói.
(In Conversa de espantalhos – inédito)
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