Vozes de Espanha

SALVADOR GARCÍA RAMÍREZ


Deslumbramento

As cores têm
a temperatura da chuva,
o agudo contraste
do sol inesperado.
Olham para poente.
Ninguém sabe se o Tejo
sai, ou se se introduz.
As lembranças erguem-se
do rosa ao precipício
por exílios opacos.

Quando poderemos renunciar
ao testemunho?

Entreaberta, Alfama seduz-nos
como um desígnio,
fermentado nos poros das asas,
com profundos vazios, com latidos
desmoronados como impérios.

Quando poderemos regressar
aonde fomos
se nada nos reúne,
se o verde se fez luz
como o assombro?



Borba

Guardarás a sua silhueta para sempre:

um sinal ao abrigo
da estela de um galo,
uma calma nas margens do século,
o caldo para apurar numa enchente
de adegas movediças,

a abundância, o termómetro,
uma plataforma interior,

somente branca,
acocorada no perfil da planície.



O infinito

Com nostalgias e outubros
traçaria uma escada
para o lado do azul e das barcas.

Miradouros, para além do teu olhar,
onde cheguem memórias com as ondas
nos dias em que ninguém te acompanha,
para o tempo quebradiço em que fazes nascer a saudade.

(Poemas inéditos, traduzidos por RV, do livro O Tempo dos Eléctricos, inteiramente dedicado a Portugal. As palavras em itálico foram escritas em português no original.)

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