Vozes do Brasil

RAFAEL ROCHA DAUD

Poemas


II

O que faz um homem
que atravessou os séculos
pela porta dos fundos
e entra no último
por uma de escritório?

Que lhe diz respeito
a humanidade,
essa fileira de cidadãos,
um uísque, um carro
e ele mesmo?

Que tal uma batida,
um acidente
um erro crasso,
uma presença inefável, uma ausência,
uma seriedade — vital — ao menos?

Uma curva e uma garrafa —
é preciso uma morte para existir?



III

Mesmo que eu não saiba o que se esconde
e eu busque uma solução gramatical
e um fazer poético
e uma facilidade orgânica

e eu me revolte contra a completude
e eu me desfaça de meus braços
e um exército, um exército,
ainda após muitas noites

e eu suporte essa redenção
— porque algumas palavras
mereciam bastar
e apenas o grande bastardo
as tinha por obrigação —

Quando a redenção, um juízo,
nenhum tormento

— uma briga e um tiro —
é preciso muito muito barulho
antes de se ouvir
silêncio

(Na imagem: díptico de Nicolau Saião. Estes e outros poemas podem ser lidos no Arquivo de Renato Suttana.)

1 comentário:

Anónimo disse...

Bons poemas, pinturas também. Gostei muito e vou voltar sempre.