JOSÉ DO CARMO FRANCISCO

O saco do pão na porta

Poderia dissertar sobre o facto de ter descoberto que a heroína do povo alentejano, Catarina Eufémia, nasceu no mesmo dia em que eu nasci – 13 de Fevereiro. São curiosidades tal como saber que Agostinho da Silva, o poeta e filósofo, também nasceu a 13 de Fevereiro. 13 de Fevereiro tal como o Artur Jorge, futebolista, treinador e autor de um livro de poemas intitulado Vértice da Água. Mas não.
Hoje gostaria de salientar um caso por mim vivenciado nos últimos tempos: perto da minha casa, mais precisamente na Rua do Teixeira, existe um restaurante que se chama Adega do Teixeira onde todos os dias alguém deixa um saco de pão pela manhã. Já tenho reparado que ao lado do restaurante há uma residencial muito frequentada por estrangeiros que olham para o saco de pão com evidente estranheza. Mas encolhem os ombros e seguem em frente com as suas mochilas e a sua sede de descoberta de uma cidade com muita luz e com sete colinas.
Para mim o significado mais profundo desta história é que ainda não está tudo perdido, ainda é possível estar um saco de pão pendurado numa porta de um restaurante durante uma manhã inteira até que o gerente do estabelecimento abre a porta e recolhe o saco de pão. Vivemos um tempo difícil em que tudo ou quase tudo pode ser roubado mas o pão ainda goza de um certo prestígio pois, todos o sabemos, a história do pão é a história da Humanidade. No meu tempo de criança quem deixava cair um pedaço de pão recolhia-o com um beijo. O pão era uma projecção da vida e beijar o pão era beijar a vida. Hoje ainda se mantém esse olhar de ternura e é por isso que ninguém rouba nem estraga o saco de pão colocado de manhã na porta da Adega do Teixeira.

2 comentários:

Luis Eme disse...

Também me habituei a beijar o pão desde muito cedo, por ser uma dádiva de Deus (esse eterno desconhecido...). Os meus avós maternos, de Salir de Matos - a uma dezena de quilómetros da Santa Catarina do Zé do Carmo - transmitiram-me mais valores e ofereceram-me muitas histórias, em que comparavam a fartura de hoje (que já é ontem...) com as muitas dificuldades da sua infância e juventude. É bom que o pão, a base da alimentação para tanta gente, ainda tenha um significado especial, numa cidade enorme como é Lisboa.

Anónimo disse...

Pois também, eu, sempre tenho beijado o pão e respeito-o. Infelizmente outros não o fazem. Vou contar, e é que eu vivo num bairro de gente pode dizer-se maioritariamente pobre, o bairro de Assentos, no entanto todas as manhãs quando vou para a ESEP vejo pendurados ou mesmo por terra junto aos contentores, sacos de pão, apenas duro, dá para perceber. E não só ali, também no outro bairro sei que é assim. Em minha casa, se o pão fica duro faz-se torradas, não se estraga, ou até migas. Mas outros são mais finos e depois queixam-se que estão mal e a vida está cara. Mas para a cervejola há sempre. Esta é a pura realidade e aqui falo neste escandalo, que é para mim um escandalo e uma falta de respeito