JOSÉ DO CARMO FRANCISCO


O motorista da carreira 56

Não há muitos fiéis na missa das oito da manhã na Catedral de São Paulo em Londres. É domingo e para muitos é madrugada. Uma senhora entrega-nos o desdobrável com as leituras do dia e convida-nos a ir para a capela mór onde estamos francamente melhor instalados. Ingleses poucos, alguns turistas, o ofertório decorre com rapidez e só a homilia se alonga um pouco. No fim da liturgia o sacristão avança com a sua vara à frente do sacerdote e estaca na zona limite da capela mór. Então o presbítero cumprimenta um a um os fiéis, desejando a todos um bom dia. Como eu precisava de ter um bom dia... A minha filha estava a dar à luz um rapaz nos Hospitais da Universidade e eu à espera de uma chamada telefónica que não chegava. Sorridente o motorista do autocarro 56 «faz tempo» junto à igreja de São Bartolomeu e pergunta-nos de onde somos. Pergunta também se gostamos de magia. Claro que sim, foi a resposta. E faz para nós uma magia com uma navalha que dum lado é preta e doutro é branca. Mal ele sabe que eu sou de uma terra de navalheiros, Santa Catarina. E enquanto os novos assassinos de Beirute matavam mulheres e crianças tal como os velhos carniceiros tinham feito em 1982 em Shatila e Sabra eu, egoísta, e sem ser capaz de me preocupar com mais nada, só pensava no bebé que estava a nascer, o meu primeiro neto. Isto mesmo depois de saber que em Beirute tem havido muitos abortos espontâneos em mulheres apavoradas com as bombas que destroem pontes e casas, estações de serviço e estradas, quintas e armazéns de víveres. E crianças para que não cheguem a homens e mulheres para que não tenham filhos. O motorista do autocarro 56 continuava a sorrir.

7 comentários:

Luis Eme disse...

Não sei se é egoismo, centralizarmos os nossos pensamentos em quem mais amamos...
Importante é não esquecermos o que se passa à nossa volta, como o Zé do Carmo Francisco fez...

Anónimo disse...

Concordo. Repararmos no que se passa à nossa volta, nomeadamente seleccionando factos que demonstrem que os que são partidários da democracia não passam de carniceiros ou de palermas no melhor dos casos. Porque há sempre um milheiro para dourar a pílula anti-semita católica.

ruialme disse...

Parabéns ao exímio cronista. Parabéns ao Avô!

Luis Eme disse...

Não devia responder à "provocação", porque Roque Santeiro, não é nome de gente. É quanto muito a capa que alguém usa, para se esconder. Mas vamos lá ao que interessa. Relatar a morte e o desalojamento de milhares de inocentes de Beirute, não tem de ser um sinal de anti-semitismo. Ou será que não se pode condenar os actos bárbaros dos israelitas e dos libaneses do Hezbollah, em simultâneo, temos de tomar partido? Tenho de escolher um dos lados, embora ache que sejam ambos assassinos?

Anónimo disse...

O seu comentário é pura retórica.
E nem valerá a pena caracterizá-lo mais profundamente porque nunca se tem visto, nem evidentemente se verá, da parte do sector mental em que parece integrar-se, qualquer condenação do Hezbollah, Hamas, etc., nem dos métodos democráticos que usam para se dissolverem entre a população com o intuito de obrigarem o adversário a matar civis para maior glória de Alá e ajuda no desaparecimento do Estado de Israel.
A agit-prop comunista e pró-esquerdista já a conhecemos bem, portanto não perca de facto mais tempo comigo, que aliás nem uso capa.

Anónimo disse...

o santeiro tem razão. vejam lá se estes senhores já arranjaram tempo e disposição para achar mal que o partido comunista ande de braço dado com os assassinos das farc.
para eles, o que bate no ocidente é o que está bem. o bush e outros que tais são apenas pretexto para uns trocos de demagogia ou cegueira ou cinismo.

Anónimo disse...

Há uns anos também havia um "roque & amiga" na rádio, faziam uma parelha mais jeitosa, e não era por serem "judeus", mas sim por terem alguma graça.
Esta dupla está melhor para qualquer circo (não, não é como palhaços, mas sim como leões...).