JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
O grito
A beleza nunca é clara
no modo em que se aproxima
Somos com certas coisas
um mundo ainda terrível
incapaz de explicações
sem nenhuma das certezas
mesmo aquelas, ínfimas, que sustentam
uma palavra, um olhar ou um grito
Só nos resta a maneira
mais pura:
de igual para igual
tão desconhecidos
O poema
O poema é um exercício de dissidência, uma profissão de incredulidade na omnipotência do visível, do estável, do apreendido. O poema é uma forma de apostasia. Não há poema verdadeiro que não torne o sujeito um foragido. O poema obriga a pernoitar na solidão dos bosques, em campos nevados, por orlas intactas. Que outra verdade existe no mundo para lá daquela que não pertence a este mundo? O poema não busca o inexprimível: não há piedoso que, na agitação da sua piedade, não o procure. O poema devolve o inexprimível. O poema não alcança aquela pureza que fascina o mundo. O poema abraça precisamente aquela impureza que o mundo repudia.
(Poemas retirados de A Noite Abre Meus Olhos, recentemente editado pela Assírio & Alvim, onde o autor reuniu a sua poesia até agora publicada.)
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