NICOLAU SAIÃO
Chic a valer!
Conde d’Abranhos - Mas não acha você, Rabecaz, que esta evangelização das massas tem que ser conduzida com jeitinho? Apelando aos sentimentos educacionais do nosso bom povo e sendo discretos...habilidosos? Eu lá com os meus tecnologistas era assim...E, se algum deles levantava cabelo, era sem barulho que o transferia de serviço...que lhe dava uma tarefa inócua, estilo pontapé p'la escada acima... como se dizia nos tempos do compadre Salazedas.
Rabecaz - Oh Abranhos, valha-o deus! Isso são métodos de engenhocas, homem! Eu na minha ilha aprendi que com esta malta só a porrete. É o que eles entendem, além disso lá dizia o conselheiro Acácio que este povo precisa de sentir a mão de gente decidida no cachaço...senão desatam a querer descanso...e tal...e lá se nos vai a obra que tanto custou a erguer Dá-me cá um ferro! É cascar-se-lhes, p'ra bem do país que queremos continuar a ter! Faça-lhes como a Maria de Lurdes…
Dâmaso Salcede - Pois eu não concordo nem com um nem com outro! Quanto a mim isto vai ao jeito...mas com umas palavrinhas sedutoras apropriadas. Lábia e filosofia, meninos! Conversa de afagar corações, o que não significa que não se metam umas ferroadas...umas insinuaçõezinhas torpes ao gosto da maltosa! Como é que pensam que eu consigo o que quero na minha função? Ponho os ajudantes a tarimbar…suavemente. E para os trabalhos mais baixos, se fizer falta, mete-se um opinion-maker com a sua enxurrada de boa conversa a cair em cima da cabeça dos que não queiram as sopas!
Rabecaz – Eu já não acredito que as palavras salvem, como diz aquele letrista premiado. Ai a pena que eu tenho que aqui não seja a minha região! Haviam de comer poucas naquela lombeira... Nenhum desses negregados se safaria de comer no côco umas berlaitadas, como eu fiz aquela vez ao tal pescador com quem andei à porrada numa praia da capital da ilha! Comigo vai tudo raso!
Conde d’Abranhos – Você é sem dúvida um homem de sucesso, mas muito empolgado! Nestas coisas é preciso calma e tecnologia, falar-se-lhes ao sentimento de fidalguia pensadora…Um povo que andou nos mares, Rabecaz, a civilizar a pretalhada não é lá qualquer coisa, seja-se da Beira aqui do Salcede ou cá da vilória do rapaz. Temos de aproveitar os salutares sentimentos de ressabiamento do poviléu e, mansamente, encaminhá-los na direcção certa…
O que eles não podem congeminar, podia fazer-lhes mal à enxaqueca, é que no fim quem deve ficar com o bolo é cá a bela panelinha, hein?!
(Fragmento da única peça que até ao momento se conhece do grande Essa de Quelroz, aqui transcrita por um pesquisador de literaturas atónitas).
5 comentários:
Esta peça do notável Essa Quelroz é de uma fineza cortante. Parece uma dessas navalhinhas que, folhas de oliveira, conseguem esquartejar em minutos um gordo mancebo.
Eheheh nicolau! Já te conhecia do "Quartzo", mas tinha-te perdido o rasto, agora apanho-te por acaso e constato que continuas em forma.
O abraço nortenho do filinto
Não acho piada nenhuma. Utilizar o nome embora sem o dizer directamente do grande escritor Eça de Queiroz parece-me um abuso para assumir protagonismo. Mas há gente que é capaz de tudo.
O meu amigo "anónimo" não deve é conhecer a história da literatura nem deve saber o que é a ironia... Mas tudo se apanha por aqui.
Chamaram-me a atenção para os comentários. Vim ver.
Agradeço ao comentador Peça de Leirós por ter levantado a luva com que o anónimo me tentou enxovalhar.
Pela minha parte, digo apenas: o tal anónimo ou é estúpido ou velhaco.
A um estúpido oferece-se um arroto envolto em comiseração. A um velhaco, se o apanhamos perto, oferece-se a bengala do Ramalho Ortigão ou, melhor dos melhores, um marmeleiro alentejano. Se está longe, como é o caso, encara-se com um trejeito de desenfadado desprezo, já que não se lhe pode urinar para cima do toutiço (que, presume-se, tem um ou dois gramas de cérebro por baixo)com a competente ironia...
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