a carne, o campo, a solidão

(Francisco Bugalho e Cristovam Pavia)



- Não pude, meu filho, receber no peito a carne e a madeira. Nesta terra reservei de antemão o espaço necessário para aumentares comigo o fogo em que fui depositando a minha sede. Perdeste a chave, eu sei. Mas fertilizaste com a tua mão o rosto dessa escultura virada a nascente. Na montanha, a água do tanque ficou límpida. Nela entalhaste o oiro e a agonia. O medo desfez a porta. Colocou sobre os músculos o lintel dessa torre, como se fora um tronco de carvalho. O líquido assentou no coração. Só então pudeste beber desse cálice esculpido pelo mar e pela sombra.
- Recebi, meu pai, o tempo e a sementeira. Procurei nesta terra um veio de água para lavar e alimentar o coração. O campo enegrecia. Fui escutando, quando não conseguia vigiar, essa ponte sobre o mundo. Que lugar me pertencia? Sem olhos, o verbo toldava o movimento. A água corria. Entre os lençóis postos de novo. Colei retratos de gente. Desenhei mapas, paisagens e rostos. Anotei com minúcia estradas que se cruzavam comigo. Contudo, o campo enegrecia. Transportei a humanidade inteira no peso dos ossos e da carne. Atravessei a corrente transportando sobre os ombros a viagem e o desespero. Em silêncio, tentei regressar. A semente ardia entre os dedos queimando lentamente a pele e as unhas. Espalhada pelo mundo, era preciso reunir essa carne para com ela fertilizar o vale e a ribeira. Sobre o arco registei o cântico dos mortos. Procurei uma paisagem para alimentar o coração. Diante da imagem tive de novo o corpo reunido. O sangue desenhou no mármore o canto da devesa. Entre as ervas e a inscrição do medo – pude descansar.

Sem comentários: