ESTA VIDA DE PROFESSOR (2)
Não fiz greve no dia 18 de Novembro. Fiquei contudo indignado com a manobra de diversão do Ministério da Educação, que pôs em causa a boa imagem dos professores – no momento em que estes expressavam livremente as suas inquietações profissionais. Perante a greve, o Secretário de Estado Valter Lemos poderia ter vindo a público contradizer os motivos que levaram milhares de docentes para a rua e que provocaram o fecho de quase cinquenta por cento das escolas. Seria legítimo e aceitável. Mas não. Preferiu cuspir sobre os professores, divulgando um estudo (?) que terá descoberto um “grande” absentismo entre eles.
Para ser sério, o documento deveria ter vindo na companhia dos índices de absentismo de toda a Função Pública e dos responsáveis por cargos políticos. Só assim poderíamos comparar para formarmos uma opinião sólida. Saberíamos então se os professores faltam mais do que os médicos, do que os juízes, do que os empregados das finanças, do que os deputados, do que os polícias... e porquê.
Admitamos, no entanto, que tal estudo abrangente não interessaria ao senhor Secretário de Estado (hipótese que se afigura provável, tanto mais que só os professores faziam greve...). Ainda assim, o documento em causa revela uma honestidade ínfima. Para que se vislumbrasse, o responsável do Ministério teria que explicar aos portugueses os motivos que levam os professores a faltar. Sem estes elementos, há quem possa acreditar na existência de manobras impróprias de uma democracia – mais comuns em regimes cuja acção política se baseia não no debate cívico, mas no assassinato de carácter de cidadãos individuais ou de grupos profissionais, religiosos e políticos.
Se não, vejamos. Salvo nalguns casos especiais, aos professores “aplica-se a legislação geral em vigor na Função Pública em matéria de férias, faltas e licenças”, conforme afirma o artigo 86º do Estatuto da Carreira Docente. Ora, essa legislação é clara no que respeita à ausência ao serviço do funcionário. Só há duas situações possíveis: falta justificada e falta injustificada.
Desde que justifiquem legalmente a sua ausência, quando faltam os professores usufruem de um direito que a Lei lhes confere. Convém lembrar aos leitores – já que Valter Lemos não quis fazê-lo – que as razões da falta podem ser diversas (previstas no artigo 21º do Regime Jurídico das Férias, Faltas e Licenças dos Funcionários e Agentes da Administração Pública): casamento, maternidade ou paternidade, nascimento de descendente, consultas pré-natais e amamentação, adopção de menor, falecimento de familiar, doença, doença prolongada, acidente em serviço ou doença profissional, reabilitação profissional, tratamento ambulatório, assistência a familiares, isolamento profiláctico, estatuto de trabalhador-estudante, equiparação a bolseiro, doação de sangue, cumprimento de obrigações legais, prestação de provas de concurso, desconto nas férias, etc.. (Se não justificarem as suas faltas, sofrerão várias penalizações: perda de remunerações correspondentes aos dias de ausência, desconto nos dias de férias do ano civil seguinte, desconto para efeitos de antiguidade, de progressão e de concurso, não esquecendo o desconto no tempo necessário para a aposentação.)
Perante tudo isto, das duas, uma. Ou Valter Lemos quis esbater os motivos da greve através de um grave ataque à imagem pública dos professores, ou, então, preparou alguma mudança legislativa, retirando direitos aos docentes. Já estou a ver o cenário... Ao contrário dos outros servidores do Estado e trabalhadores(com eles não se preocupou), os professores deixarão de ter lua-de-mel, não ficarão em casa quando os filhos nascerem, serão proibidos de ficarem doentes, serão obrigados a encontrarem amas-de-leite para os seus bebés, não poderão cuidar de familiares, não irão ao funeral destes, não poderão tirar novos cursos, não poderão dar sangue, serão impedidos de testemunhar em tribunal, não poderão receber formação, estarão impedidos de tratarem de assuntos pessoais inadiáveis...
Pena é que Valter Lemos não pense em dar aos professores do Básico e do Secundário o mesmo direito que os docentes do Ensino Superior têm: o de negociarem com os alunos novas datas para aulas, quando têm que faltar. Tenho a certeza: o absentismo reduzir-se-ia. Porque a grande maioria dos professores gosta da profissão que tem – e só falta às suas aulas quando não pode deixar de fazê-lo.
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