POETAS NOVOS DE PORTUGAL

JORGE REIS-SÁ

Melancolia

O tojo caindo o sol do fim da tarde. A caruma dos pinheiros
traz as crianças para a infância, os velhos jogam à malha no
caminho de Candeeira e as mulheres conversam junto aos
tremoços, chamando-os, desde o coberto, para a merenda.

A avó abre o postigo para ralhar aos moços, leva-os para
a cozinha onde lavam as mãos do pó que a alegria trouxe.
Iluminam-se na broa de mais um domingo encomendado à felicidade.

(in Biologia do Homem)



Esternocleidomastóideo

Tenho a juventude como uma pedra – não
há força que reste do meu corpo para a
levantar. E existe o ar, toda a atmosfera
como um sopro quente brotando da boca.

A atmosfera pressiona a pedra contra o
peito, massacra os pulmões e o coração, as
costelas, os músculos, todos os inverosímeis
nomes que lhes dão. Digo que não me deixa

respirar, o ar, o sopro de vida com que me
fizeste existir. Pai – pedra, ar, força translúcida
invisível que me comprime a juventude.

Pai – morte ao pai e à atmosfera que me
deu ar e que agora sufoca os inomináveis
músculos que resguardam o coração.

(idem)



Em Monfebres com Rui Lage

Em Monfebres existe Deus, está sentado à sombra das casas.
A cara dos homens espera os anjos descerem do pastoreio
e refugiarem-se nos ninhos. Em Monfebres os riachos sulcam

os montes e elaboram os vales. De noite, os grilos acompanham
o canto das águas pendurados nas patas, seguros nas vinhas
que lhes fazem na toca a sombra diária. As cabras alegram-se
da abundância de encostas, os casos das cabras esmagam
as pedras e o calor. E não há morte. No monte das febres
morreu-se a última vez há muitos anos,

encostado às vinhas, saboreando o verão no fim de tarde
pesado e quente, esperando que Deus sinalizasse a salvação.

(idem)



Jorge Reis-Sá (Vila Nova de Famalicão, 1977) é formado em Biologia. Exerce a profissão de editor, sendo responsável pelas Quasi Edições e director da revista Apeadeiro. Publicou A Memória das Pulgas da Areia (Quasi, 1999), Quase e outros poemas De Querença (Quasi, 2000), A Palavra no Cimo das Águas (Campo das Letras, 2000) e Biologia do Homem (Quasi, 2004). Organizou a antologia Anos 90 e Agora (Quasi, 3ª edição, 2004).

1 comentário:

indah disse...

"E existe o ar, toda a atmosfera
como um sopro quente brotando da boca."

No consigo encontrar la traducción exacta, pero no importa. No, claro que no, al contrario: me permite intuir. Es como si me diera alas. No sé lo que dice pero lo intuyo... y me emociona.