NICOLAU SAIÃO


Em louvor dos Palhaços


Não por simbolismo mais ou menos evidente, não por se estar em tempo de clowns, de malabaristas, de hipnotizadores e de ilusionistas – mas sim por no Outono a memória parecer mais nostálgica, intercedendo pelos tempos de grandes alegrias, de viagens interiores, de meandros que se acariciam com a palavra, com a recordação. Um mundo juvenil de circo, fremente e encantado.
Charlie Rivel, que vi ao vivo em Madrid numa tarde de surpresas, no decorrer duma matinée inesquecível, com o seu lentíssimo andar, com as suas pequenas frases entrecortadas, com o seu huuuuuu! de rosto rodando para o céu, esse som surpreendente pontuando as estórinhas comoventes, terríveis e poéticas daquele que foi considerado o melhor palhaço do mundo.
E os Irmãos Campos, portugueses retintos num elenco circense todo composto por húngaros de Linda-a-Pastora, por franceses do Cadaval, por italianos da Madragoa? E Oscarito, o palhaço bailarino com as pernas de arame que todo se desconjuntava quando Simeão, o palhaço-rico, o submetia a rudes diálogos de que aliás saía mal-ferido? E que com o seu serrote-violino, com a sua trompete destravada, com o seu saxofone bicéfalo nos levava por todos os lugares onde o sonho podia acontecer?
E – posto que agora por fora – as distintas partenaires que eram jovens em início de carreira ou madames a finalizá-la, mas inteiramente frequentáveis para olhos adolescentes (um toquezinho de inusitado que ainda lhes conferia mais sedução…)?
Deixem que me lembre desses anos de vinho e rosas… Em Portalegre por todo o Rossio, em frente do antigo campo da bola, por detrás da belíssima cascata do jardim barroco infelizmente passado à estória da História, quando ainda lá havia uma esplanada de Café sob um cedro do Líbano, onde pelas tardes a rapaziada hoje madura ia deslumbrar-se nos serões de província…
Deixem que me recorde - como se, com vossa licença, tasquinhasse expeditamente um pacote de amendoins, antes de entrarem os domadores, os imitadores, os trapezistas e outros acrobatas.

4 comentários:

Luis Eme disse...

O circo também faz parte do meu imaginário... especialmente os palhaços, que nunca nos cansavam nem pareciam repetitivos na infância...

Anónimo disse...

Caro Luís, veja se consegue apanhar - dizem-me que estão editadas em dvd, versão espanhola - os sketches do grande Charlie Rivel que deram, em filmes de 20 e 40 minutos, nos fins dos anos 80 na tv.
Um delírio!
Recordo especialmente "Charlie na casa da bruxa do bosque" e "Charlie no teatro", verdadeiras obras primas que além de nos encantarem nos comovem pela poesia e pelo enquadramento cénico.
Dos fabulosos Irmãos Campos é que parece não haver nada - agora só vivem na memória dos que tiveram o privilégio de assistirem às suas performances...
Que pena! Português sofre...

Ruy Ventura disse...

Não sei porquê, este belíssimo texto do Nicolau fez-me lembrar um belíssimo poema de Régio sobre os palhaços. Que interessante seria um dia surgir uma antologia de crónicas e poemas sobre os legítimos clowns! Seria oxigénio, neste sociedade onde tantos "palhaços" nos atormentam a vida.
Abraço e bom fim-de-semana prolongado!

Anónimo disse...

Este sr. Luís faz-se aqui muito bonzinho, mas vão ler lá nos comentários do Casario do Gingeiral e verão o que a casa gasta, não é sr. Luís e com que então promete porrada nos que o atacam? Olhe que há gente que continua atenta ao sr., ó meu.