ESTA VIDA DE PROFESSOR (1)

Tem sido diferente este ano lectivo. Continuo a ter as 22 horas de aulas do costume, mas para além delas passo agora na escola mais 13 horas noutras actividades. É fácil fazer a conta: tudo somado, dá 35. Cumpro assim o artigo 76º do Estatuto da Carreira Docente: 1) “O pessoal docente em exercício de funções é obrigado à prestação de 35 horas semanais de serviço.”; 2) “O horário semanal dos docentes integra uma componente lectiva e uma componente não lectiva e desenvolve-se em cinco dias de trabalho”.
Na componente lectiva não há novidades: oriento aulas de Língua Portuguesa em quatro turmas do 2º Ciclo do Ensino Básico, duas do 5º ano (com as quais passo oito horas semanais) e duas de 6º ano (com cinco horas cada). Passo ainda mais quatro horas com uma área curricular não-disciplinar, o Estudo Acompanhado, que dou a meias com duas colegas. Tudo somado, são 22 horas.
A mudança operou-se na chamada “componente não-lectiva”, isto é, naquele tempo que, antes, estava destinado à preparação das aulas, à elaboração de fichas informativas, de trabalho e de avaliação, à correcção dos trabalhos dos alunos e dos testes de avaliação. Treze horas não era uma fartura – mas ia dando para as necessidades, sem que o Estado me explorasse. Neste ano lectivo (o primeiro em que passei à ansiada categoria de “efectivo”) as coisas não se passam assim. Nessas 13 horas, tenho que estar disponível na sala de professores para substituir algum colega que falte (aquilo que o Ministério chama, com hipocrisia, “acompanhamento dos alunos”, para não pagar horas extraordinárias, conforme manda o artigo 83º do Estatuto). Para além disto, tenho várias horas em que sou obrigado a estar na Biblioteca Escolar para dar apoio aos alunos que dele precisem. Como não sou pessoa para estar sem fazer nada de útil, acabei por propor ao Conselho Executivo da minha escola a criação de um Clube de Escrita que já vai dando os seus frutos numa página da internet que criei com os alunos. Tenho ainda nessas 13 horas vários Conselhos de Turma (reuniões em que os professores discutem os problemas dos alunos e afinam estratégias para resolvê-los) e, por vezes, reuniões de Departamento. Tudo somado, aulas mais substituições mais horas de biblioteca mais clube mais reuniões permaneço na escola 35 horas por semana (quando não são mais...).
Perguntam neste momento: e quando é que este homem prepara aulas, elabora fichas, corrige testes e trabalhos? Respondo: à tarde ou à noite, depois de chegar a casa. Como, entretanto, já trabalhei na escola as 35 horas que o Ministério da Educação me paga, isto significa que todo o trabalho caseiro é feito de graça. Ando a dar esmolas ao Estado (eu e os outros professores). E ninguém me agradece, a começar pela senhora ministra que, nestas contas, representa a República Portuguesa. Mas, como ninguém me pediu esmola nem dei consentimento nesta dádiva, vejo-me obrigado a concluir que eu e os meus colegas estamos a ser roubados (assim mesmo!). Tenho que concordar com a célebre frase dum escritor francês: “Se o Estado fosse um ser humano, há muito estaria na cadeia...
Não me importaria nada de passar na escola as 35 horas de trabalho que são o meu horário - se nela tivesse condições e tempo para fazer todo o meu trabalho de professor. Mas não. Não só não tenho tempo para realizar todas as minhas tarefas (as 13 horas de componente não-lectiva estão ocupadas, como se expôs), como não tenho condições materiais para desenvolvê-las. Concretizo. Na escola em que sou docente há apenas dois (!) computadores para cerca de 70 professores, nenhum deles com impressora e muitas vezes ocupados pelos directores de turma que aí têm que desenvolver o seu trabalho. Na escola em que lecciono (creio que em inúmeras outras a situação será idêntica) não existem gabinetes de trabalho; existe uma saleta de reuniões frequentemente ocupada com reuniões, existe uma sala de professores que não oferece condições de trabalho e uma biblioteca onde os alunos trabalham, não deixando espaço para os professores.
Quem gostaria de ser professor nestas condições? Seria bom ouvir a resposta de alguns figurões com pés de barro que por aí vão achincalhando a boa imagem dos professores portugueses.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois é, Rui... Aqui pelo Alentejo o panorama é idêntico. Temos apenas 28 horas marcadas no horário, mas acabamos por fazer tudo em casa (à tarde e à noite) e as condições da escola são poucas ou nenhumas. Vai isto mal para nós! Esperemos que o Sócrates não se lembre também de cortar metade (ou a totalidade) dos subsídios aos funcionários públicos e pensionistas. Se a moda pega... (Paula)